25 de Abril de 1974

5 de janeiro de 2011

A fuga da família real para o Brasil (8)

Os "acidentes" da viagem foram... mais que muitos: mastros que se partiram, água que entrava nos navios, falta de provisões (incluindo água), etc.

«As carências começaram a agudizar-se, à medida que as semanas se arrastavam. A maioria das mulheres atravessaria o oceano com a roupa que trazia no corpo no dia do embarque porque os caixotes de linho tinham sido deixados para trás, em Lisboa. Em casos desesperados, foram distribuídos lençóis e mantas da armada britânica prontamente transformados em peças de vestuário.
No Afonso de Albuquerque [um dos navios] os tormentos agravaram-se com uma praga de piolhos que se espalhou pelo convés a abarrotar. Os cavalheiros deitavam ao mar as cabeleiras infestadas, e as senhoras, de D. Carlota para baixo, faziam fila para rapar a cabeça. Algures no Atlântico Norte, as damas de honor carecas reuniram-se no castelo da proa (...). O couro cabeludo era então lavado e tratado com pós para eliminar os piolhos sobreviventes.
(...)
A ansiedade aumentava a bordo, à medida que a frota real se aproximava do seu destino. (...)
Os caprichos do tempo e as necessidades de uma armada mal equipada fizeram desembarcar a família real [em Salvador] mais de 700 milhas a norte do alvo previsto [Rio de Janeiro].
(...) esperavam multidões a darem as boas vindas, mas as docas estavam vazias, quando os navios entraram na baía de Salvador.»

Só o governador os foi receber. «(...) mandara evacuar as ruas em volta do porto, por não estar seguro dos desejos do regente. Em resposta, D. João disse que gostaria de ver os seus súbditos do Novo Mundo, e, depois de se passar palavra, as ruas encheram-se a pouco e pouco com muitos curiosos. (...)
A família real e a elite da metrópole chegavam numa armada em muito pior estado do que alguns dos mais degradados navios mercantes que aportavam neste cais normalmente movimentado. Mais espantoso ainda, faziam-se pedidos de roupa de senhora para bordo, no sentido de socorrer passageiras vestidas com os trapos que restavam dos trajes que usavam à partida de Lisboa, ou com vestes improvisadas durante a viagem.
Uma parte do mistério do poder colonial ruiu para sempre naquele dia. (...)»

Patrick Wilcken, Império à deriva

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