25 de Abril de 1974

30 de dezembro de 2022

A vigília pela Paz na Capela do Rato

Em 1972, Portugal continuava mergulhado numa guerra em 3 frentes – Angola, Guiné e Moçambique – pela manutenção do Império Colonial.

A data de 1 de janeiro de cada ano fora escolhida pelo Papa Paulo VI como dia dedicado à Paz. Paulo VI consignara como lema das celebrações desse ano “A Paz é possível, a Paz é obrigatória”.



No sábado 30 de dezembro de 1972, no fim da missa das 19.30 h, na Capela do Rato (Lisboa), Maria da Conceição Moita anunciou aos presentes, em nome de um grupo de católicos, que iria “comunicar uma decisão e pôr um problema a toda a comunidade”, lendo então uma declaração que informava da realização de uma vigília de 48 horas como forma de protesto contra a Guerra Colonial. A ideia era refletir sobre a situação da guerra e debater formas de conseguir a paz.


A organização da iniciativa terá sido amadurecida no 2.º semestre do ano, por Luís Moita, Nuno Teotónio Pereira e Francisco Cordovil, a que se juntaram depois Maria da Conceição Moita, João Cordovil, António Matos Ferreira e José Galamba de Oliveira. Segundo Francisco Cordovil (então militante da Juventude Escolar Católica), “foi uma ação coletiva baseada na cumplicidade ética e de propósitos. O que mais uniu as pessoas foi o dever de discutir a questão da guerra colonial, como outras que desafiavam as nossas vidas e a nossa realização futura.”

O padre que celebrara a missa deixou à consciência de cada um dos presentes a posição a tomar.

Informado posteriormente, o padre responsável pela capela (padre Alberto Neto), que não fora o celebrante por motivos de saúde, não se opôs à iniciativa.

Nas missas de domingo de manhã, os padres oficiantes leram um texto redigido em conjunto com o padre Alberto Neto, onde afirmavam “Seja qual for a nossa posição diante deste gesto, ele tem um sentido interpelativo de tal densidade que não o podemos ignorar.”



No grupo de católicos organizador havia algumas pessoas com ligações às Brigadas Revolucionárias (PRP-BR) e que informaram este grupo político da preparação da vigília. As BR ajudaram à sua divulgação: organizaram a distribuição de panfletos a anunciar a vigília, convocando quem quisesse aparecer. Em Lisboa, petardos espalharam panfletos! A informação seria depois transmitida pela Rádio Voz da Liberdade, em Argel.

O apelo à participação de mais pessoas (católicas ou não) também foi feita à porta de várias Igrejas. “Ainda hoje me espanta como conseguimos, sem telemóveis, avisar tanta gente”. (Jorge Wemans, à data estudante universitário).

No domingo, os participantes aprovaram uma moção onde se repudiava a política do Governo de “prosseguir uma guerra criminosa com a qual tenta aniquilar movimentos de libertação das colónias” e denunciava a “cumplicidade da hierarquia da Igreja Católica face a esta guerra”.



Pouco antes das 21 horas do dia 31, a vigília seria interrompida pelas forças policiais, incluindo agentes da PIDE-DGS, que invadiram a capela, antecipando o fim previsto para o dia seguinte. Os cerca de 90 presentes foram levados pelas autoridades à esquadra local para identificação, tendo 14 deles sido conduzidos a Caxias, onde ficaram incomunicáveis na prisão por vários dias.

Os 12 funcionários públicos presentes na vigília viriam de ser alvo de processos disciplinares e demitidos, conforme decisão do Conselho de Ministros (9 de janeiro de 1973).

O Padre Alberto Neto foi destituído do seu cargo e os dois padres que foram celebrar missa na capela no dia 1 chegaram a ser levados para a sede da PIDE-DGS, pois tinha sido ordenado o encerramento do espaço, e só saíram por intervenção direta do Cardeal-Patriarca, D. Manuel Ribeiro.


As detenções feitas pelas forças de segurança
Desenho de Sofia Cavaleiro (app.parlamento)

A vigília da Capela do Rato é considerada “um dos momentos mais emblemáticos – porventura, o mais emblemático – da oposição de matriz católica ao Estado Novo e, em particular, ao marcelismo. Tal significa que foi alcançado plenamente o principal objetivo dos promotores da vigília: garantir que o seu gesto tivesse grande visibilidade e impacto, para o que muito contribuíram dois fatores – a colaboração de uma organização de luta armadas, as Brigadas Revolucionárias, e a reação das autoridades civis.” (António Araújo, A oposição católica no marcelismo: o caso da Capela do Rato)

O que poderia não passar de mais um “breve episódio da luta de uma minoria de católicos de elite contra o regime autoritário” acabou por ter repercussões que superaram o que os próprios organizadores previram.

As prisões e a posterior expulsão da Universidade do conceituado economista português Pereira de Moura provocaram uma onda de protesto internacional. Rui Patrício, Ministro dos Negócios Estrangeiros, terá chegado a pedir a libertação imediata dos presos, para evitar mais uma campanha contra a ditadura, mas sem sucesso.

O Chefe do Governo foi levado a intervir em público, através de uma comunicação ao país pela rádio e pela televisão (15 de janeiro) . O assunto chegaria também à Assembleia Nacional, que o debateu ao longo de várias sessões (entre 16 e 23 de janeiro). A intervenção do deputado João Pedro Miller Guerra, defendendo que a legitimidade da presença de Portugal no Ultramar podia ser discutida em qualquer parte, foi impedida, pela Comissão de Exame Prémio (censura), de ser divulgada. Na sequência desse debate, dois deputados da chamada Ala Liberal – Francisco Sá Carneiro e o referido Miller Guerra – renunciaram ao mandato.

A reação do regime virou-se contra o próprio regime.



Três anos antes, depois de uma missa celebrada pelo Cardeal Cerejeira, uma ação semelhante na igreja de S. Domingos, em Lisboa, passara quase despercebida. Para esta primeira iniciativa dos chamados “católicos progressistas”, Sophia de Mello Breyner Andresen compusera o poema “Vemos, ouvimos e lemos”.