25 de Abril de 1974

24 de agosto de 2020

Revolução Liberal de 1820 - A cidade do Porto


O Porto foi uma cidade agente da "fermentação liberal".

Tratava-se de uma cidade com uma burguesia relevante, com comunidades inglesa e francesa. Tinha um papel ativo nas trocas internacionais, sendo o comércio com o Brasil e com a Inglaterra o principal propulsor da dinâmica económica da cidade.


A abertura dos portos brasileiros (1808) e o Tratado de Comércio e Navegação com a Inglaterra (1810) fez reduzir drasticamente o valor das exportações. O Porto foi muito prejudicado por essa situação.
Cresceram as críticas à situação de hegemonia económica britânica e à dependência portuguesa.

Sendo uma cidade segunda, longe da capital, era um espaço propício ao contrapoder, escapando, de alguma forma, a um controlo mais apertado do poder político/policial.

Depois de uma frustrada conspiração liberal (1817), foi na cidade do Porto que alguns liberais formaram uma associação a que deram o nome de Sinédrio, "destinado a espreitar atenta a opinião pública, e até a encaminhá-la a fazer uma mudança de governo em Portugal, dirigindo os espíritos para as ideias liberais nas três províncias do Norte do Reino, sendo nisto auxiliados pelos jornais portugueses que se imprimiam em Londres." (Luz Soriano)



As causas da Revolução Liberal de 1820


A Revolução Liberal de 1820 insere-se nas chamadas revoluções atlânticas - um largo número de revoluções que aconteceram na América e na Europa - nos dois lados do Atlântico - tendo como casos maiores a Revolução Americana (com a declaração de independência dos Estados Unidos, em 1776) e a Revolução Francesa (1789) e como exemplo mais próximo (e influenciador da revolução portuguesa) o restabelecimento da Constituição de Cádis de 1812, em finais de janeiro de 1820.

Foram revoluções inspiradoras que procuraram a criação de uma nova ordem em que a soberania assentava na Nação feita de cidadãos e não no rei. Defendia-se um modelo de organização política baseada na separação de poderes e na defesa de direitos e garantias individuais, em que a liberdade de expressão era uma das grandes causas. 

Para além dos "ventos de mudança" que assolavam o mundo, encontramos na realidade portuguesa motivos muito concretos que levaram à Revolução Liberal. Eles são por demais evidentes.

A chegada da Corte portuguesa ao Brasil (1808)

A Corte há muito que se encontrava no Brasil, depois de ter saído de Portugal quando da 1.ª invasão francesa (1807). Portugal estava "transformado em colónia da sua colónia".
Havia um "sentimento de orfandade e de periferização vivido na metrópole perante a ausência da Corte no Rio de Janeiro, que absorvia largas rendas". (Jorge Fernandes Alves)

Portugal estava entregue a um Conselho de Regência, submisso ao general inglês William Beresford, comandante do Exército de Portugal e multiplicavam-se os oficiais ingleses. 
Política e militarmente, Portugal era dominado pela potência que o tinha ajudado a resistir às invasões napoleónicas.

«No começo de oitocentos, a sociedade portuguesa seguia repetindo rotinas ancestrais em praticamente todos os domínios da sua existência. Com uma população de escassos três milhões de habitantes, o país era esmagadoramente rural, muito pobre e, claro está, analfabeto.» (M.ª Fátima Bonifácio)


A economia portuguesa não havia sido transformada por qualquer processo de industrialização. Após as invasões francesas, o tecido produtivo português, se já era fraco, ficou destruído. A guerra arrasara muitos campos, as fábricas que já eram poucas e de pequena dimensão encerraram, os negócios foram interrompidos. A rede de comunicações era muito má.
«As atividades económicas em Portugal no princípio do século XIX, quer a produção, quer a circulação, quer o consumo, correspondiam assim aos padrões ancestrais da sociedade tradicional.» Antes das invasões, "entre metade e dois terços das receitas do Estado tinham origem no comércio que ligava o Brasil à Europa." (Rui Ramos). A perda de negócios do Brasil foi fatal, arruinando o Estado.

Selos brasileiros que comemoraram a abertura dos portos do Brasil às nações amigas,
150 e 200 depois, respetivamente. No primeiro destes selos, a figura de D. João VI

A regência estava subordinada aos interesses estratégicos ingleses, protegidos pelos tratados de amizade e de comércio que ditavam prerrogativas e privilégios prejudiciais aos comerciantes e industriais portugueses.

«Magistrados, militares e homens de negócios convergiam na mobilização para uma mudança que se afigurava inaceitável, regeneradora.» (José Luís Cardoso)
Num assomo de indignação patriótica, não é de estranhar que houvesse um entendimento geral sobre o propósito de trazer o rei de volta do Brasil, de quebrar o poder da tutela inglesa e de regenerar o país.




O que aconteceu no dia 24 de Agosto de 1820




Há 200 anos, o início da Revolução Liberal

 «As ideias de revolução eram gerais. Rapazes e velhos, frades e seculares, todos a desejavam. Uns, que conheciam as vantagens do governo representativo, queriam este governo; e todos queriam a corte em Lisboa, porque odiavam a ideia de serem colónia de uma colónia.»  (Marquês de Fronteira, Memórias, vol. I)
Alegoria à Revolução no Porto, a 24 de Agosto
Gravura, António Maria da Fonseca, 1820

A Revolução Liberal, iniciada em 24 de Agosto de 1820, foi o acontecimento impulsionador das mudanças essenciais que abriram caminho para a formação do Portugal contemporâneo.
O processo de implementação do liberalismo ocuparia boa parte da primeira metade do século XIX.

As comemorações do bicentenário da Revolução, que, à partida, já me pareciam demasiado limitadas à cidade do Porto, acabaram por se desvanecer, em virtude da situação de pandemia que se vive. E é pena, pois mereciam um destaque muito maior. A data simboliza a queda do Antigo Regime, a liberdade, o constitucionalismo e a soberania da Nação, constituindo-se como um marco decisivo na trajetória da sociedade portuguesa.



Os acontecimentos do dia 24 de Agosto de 1820 centraram-se na cidade do Porto e estiveram longe de ter a mesma dimensão dramática dos acontecimentos iniciais da Revolução Francesa cerca de 30 anos antes. Não assumiram o carácter de revolta social, não tendo ocorrido tumultos violentos.
«Foi um mero e tranquilo levantamento de tropas insatisfeitas, convencidas por magistrados e homens de negócios estabelecidos na cidade do Porto da inevitabilidade e relevância desse gesto heróico. Foi um pronunciamento militar que de forma pacífica ditou o princípio do fim de uma época histórica.» (José Luís Cardoso, A Revolução Liberal de 1820)

Quartel de Santo Ovídio (Infantaria 18), gravura (cerca de 1850)

Ao nascer do dia, o coronel Cabreira reuniu a artilharia no Campo de Santo Ovídio (atual Praça da República), em frente ao quartel-general, e mandou dizer missa ao capelão, num altar improvisado, seguindo-se uma salva de 21 tiros, forma de anunciar o início da revolução.


Para o mesmo local convergiram outras forças militares. Formou-se o Conselho Militar, composto pelos comandantes dos principais regimentos em presença, e leram-se duas proclamações, pelos dois principais militares envolvidos: o coronel Sebastião Drago Valente de Brito Cabreira (de Artilharia 4) e o coronel Bernardo Corrêa de Castro e Sepúlveda (de Infantaria 18).


As duas proclamações

As proclamações tinham sido previamente escritas por Manuel Fernandes Tomás e/ou José Ferreira Borges (há divergências entre os historiadores), tendo por finalidade incitar os soldados a cooperarem "na salvação da Pátria e no restabelecimento de um Governo Nacional sob a autoridade de El-Rei D. João VI".
O fundamental era congregar as tropas, fazer o pronunciamento e declarar o início dos novos tempos. Seguir-se-ia a organização de um governo provisório que devia promover a reunião das Cortes Constituintes encarregadas de elaborar uma Constituição para o país.
A adesão do resto do país à nova ordem alastraria com o decorrer do tempo.

O Campo de Santo Ovídio em 1900 (de Fb Porto Desaparecido)

Içou-se a bandeira da monarquia na fachada do quartel, as bandas militares tocaram o hino nacional da época e foi prestado juramento ao Rei (no Brasil) e ao Conselho Militar.
O pronunciamento terminou com vivas ao rei D. João VI, ao Exército Português, à Santa Religião e à Constituição que as Cortes deveriam elaborar.
Os soldados e o povo que entretanto se aglomerara acompanharam os vivas.

Depois, os soldados desfilaram em direção à Praça Nova das Hortas, onde se situava a Câmara Municipal do Porto. Com as tropas formadas em parada, os chefes da revolta entraram nos Paços do Concelho onde se encontravam os vereadores, juízes, procuradores e o bispo da diocese.

Edifício dos Paços do Concelho, ao cimo da praça
(fotografia de uma época já posterior,
com a estátua de D. Pedro IV, inaugurada em 1866)

Aí foi declarada a destituição do Governo de Regência de Lisboa e proclamada a formação da Junta Provisional do Governo Supremo do Reino. Foi também redigido um Manifesto aos Portugueses, divulgado no próprio dia 24.
A ata da reunião, redigida por José Ferreira Borges, reafirma o teor das proclamações e esclarece que a Junta governaria em nome de D. João VI.
«Rompeu o dia 24, e ao som dos clarins, e da artilharia se fizeram em pedaços os grilhões que nos algemavam, e com tanto sossego se proclamou a nossa independência, que ninguém sofreu o mais pequeno incómodo: imenso povo assistiu à reunião das tropas em Santo Ovídio, ouviu as proclamações, misturou-se no meio dos vivas, e da alegria com a tropa de tal maneira que quando chegaram à Praça Nova o contentamento era universal.»  (José da Silva Carvalho, 1820)


O 24 de Agosto de 1820 iniciou um agitado ciclo histórico que só terminaria em 1851.
Pelo meio, as primeiras eleições em Portugal, a aprovação da primeira Constituição, o violento estertor do absolutismo, a dramática guerra civil entre liberais e absolutistas e as desavenças políticas constantes entre liberais moderados e liberais radicais.