25 de Abril de 1974

24 de agosto de 2020

Há 200 anos, o início da Revolução Liberal

 «As ideias de revolução eram gerais. Rapazes e velhos, frades e seculares, todos a desejavam. Uns, que conheciam as vantagens do governo representativo, queriam este governo; e todos queriam a corte em Lisboa, porque odiavam a ideia de serem colónia de uma colónia.»  (Marquês de Fronteira, Memórias, vol. I)
Alegoria à Revolução no Porto, a 24 de Agosto
Gravura, António Maria da Fonseca, 1820

A Revolução Liberal, iniciada em 24 de Agosto de 1820, foi o acontecimento impulsionador das mudanças essenciais que abriram caminho para a formação do Portugal contemporâneo.
O processo de implementação do liberalismo ocuparia boa parte da primeira metade do século XIX.

As comemorações do bicentenário da Revolução, que, à partida, já me pareciam demasiado limitadas à cidade do Porto, acabaram por se desvanecer, em virtude da situação de pandemia que se vive. E é pena, pois mereciam um destaque muito maior. A data simboliza a queda do Antigo Regime, a liberdade, o constitucionalismo e a soberania da Nação, constituindo-se como um marco decisivo na trajetória da sociedade portuguesa.



Os acontecimentos do dia 24 de Agosto de 1820 centraram-se na cidade do Porto e estiveram longe de ter a mesma dimensão dramática dos acontecimentos iniciais da Revolução Francesa cerca de 30 anos antes. Não assumiram o carácter de revolta social, não tendo ocorrido tumultos violentos.
«Foi um mero e tranquilo levantamento de tropas insatisfeitas, convencidas por magistrados e homens de negócios estabelecidos na cidade do Porto da inevitabilidade e relevância desse gesto heróico. Foi um pronunciamento militar que de forma pacífica ditou o princípio do fim de uma época histórica.» (José Luís Cardoso, A Revolução Liberal de 1820)

Quartel de Santo Ovídio (Infantaria 18), gravura (cerca de 1850)

Ao nascer do dia, o coronel Cabreira reuniu a artilharia no Campo de Santo Ovídio (atual Praça da República), em frente ao quartel-general, e mandou dizer missa ao capelão, num altar improvisado, seguindo-se uma salva de 21 tiros, forma de anunciar o início da revolução.


Para o mesmo local convergiram outras forças militares. Formou-se o Conselho Militar, composto pelos comandantes dos principais regimentos em presença, e leram-se duas proclamações, pelos dois principais militares envolvidos: o coronel Sebastião Drago Valente de Brito Cabreira (de Artilharia 4) e o coronel Bernardo Corrêa de Castro e Sepúlveda (de Infantaria 18).


As duas proclamações

As proclamações tinham sido previamente escritas por Manuel Fernandes Tomás e/ou José Ferreira Borges (há divergências entre os historiadores), tendo por finalidade incitar os soldados a cooperarem "na salvação da Pátria e no restabelecimento de um Governo Nacional sob a autoridade de El-Rei D. João VI".
O fundamental era congregar as tropas, fazer o pronunciamento e declarar o início dos novos tempos. Seguir-se-ia a organização de um governo provisório que devia promover a reunião das Cortes Constituintes encarregadas de elaborar uma Constituição para o país.
A adesão do resto do país à nova ordem alastraria com o decorrer do tempo.

O Campo de Santo Ovídio em 1900 (de Fb Porto Desaparecido)

Içou-se a bandeira da monarquia na fachada do quartel, as bandas militares tocaram o hino nacional da época e foi prestado juramento ao Rei (no Brasil) e ao Conselho Militar.
O pronunciamento terminou com vivas ao rei D. João VI, ao Exército Português, à Santa Religião e à Constituição que as Cortes deveriam elaborar.
Os soldados e o povo que entretanto se aglomerara acompanharam os vivas.

Depois, os soldados desfilaram em direção à Praça Nova das Hortas, onde se situava a Câmara Municipal do Porto. Com as tropas formadas em parada, os chefes da revolta entraram nos Paços do Concelho onde se encontravam os vereadores, juízes, procuradores e o bispo da diocese.

Edifício dos Paços do Concelho, ao cimo da praça
(fotografia de uma época já posterior,
com a estátua de D. Pedro IV, inaugurada em 1866)

Aí foi declarada a destituição do Governo de Regência de Lisboa e proclamada a formação da Junta Provisional do Governo Supremo do Reino. Foi também redigido um Manifesto aos Portugueses, divulgado no próprio dia 24.
A ata da reunião, redigida por José Ferreira Borges, reafirma o teor das proclamações e esclarece que a Junta governaria em nome de D. João VI.
«Rompeu o dia 24, e ao som dos clarins, e da artilharia se fizeram em pedaços os grilhões que nos algemavam, e com tanto sossego se proclamou a nossa independência, que ninguém sofreu o mais pequeno incómodo: imenso povo assistiu à reunião das tropas em Santo Ovídio, ouviu as proclamações, misturou-se no meio dos vivas, e da alegria com a tropa de tal maneira que quando chegaram à Praça Nova o contentamento era universal.»  (José da Silva Carvalho, 1820)


O 24 de Agosto de 1820 iniciou um agitado ciclo histórico que só terminaria em 1851.
Pelo meio, as primeiras eleições em Portugal, a aprovação da primeira Constituição, o violento estertor do absolutismo, a dramática guerra civil entre liberais e absolutistas e as desavenças políticas constantes entre liberais moderados e liberais radicais.


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