No dia 7 de janeiro de 2017, faleceu aquele que foi o primeiro civil a ocupar a Presidência da República seis décadas após a queda da I República.
Foi um político marcante do último quartel do século XX, para além do papel que representou na oposição ao regime do Estado Novo. Por isso, esta biografia, um curto resumo de uma vida intensamente vivida e com largas repercussões na sociedade portuguesa.
Como sempre acontece em relação aos políticos, sobretudo aqueles que exercem cargos governativos e cuja atuação ainda é relativamente recente, é possível que muitas vozes críticas se levantem à sua ação. Tal faz parte da própria vivência democrática, para a qual Mário Soares contribuiu, com mais ou menos polémica, consoante as perspetivas ideológicas.
Tomei como base o artigo
Mário Soares, de Maria Fernanda Rollo e de José Maria Brandão de Brito, no
Dicionário de História do Estado Novo, de onde, portanto, são extraídas as citações (assinaladas a verde, como costume neste blogue).
Mário Alberto Nobre Lopes Soares, advogado
e político, nasceu em Lisboa, a 7 de dezembro de 1924, no seio de uma família
republicana e liberal.
A entrada na Universidade, no curso de
Ciências Histórico-Filosóficas, levou-o a intervir na vida política contra o
regime ditatorial do Estado Novo.
Aderiu ao Partido Comunista (PCP) em 1942, do qual se viria a desligar em 1950.
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Fotografias de Mário Soares no arquivo da PIDE |
Na sequência da vitória dos Aliados na II
Guerra Mundial (1945), um grupo de “velhos oposicionistas” fundou o Movimento
de Unidade Democrática (MUD), o qual contou com uma organização de jovens
– o MUD Juvenil – de que Mário Soares, então com 22 anos, foi o primeiro
presidente da comissão central.
Em 1946, por efeito dessa sua participação
no MUD, foi preso pela primeira vez.
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Reunião de constituição do MUD |
Em 1949, foi secretário-geral da
candidatura do general Norton de Matos à Presidência da República.
Entre 1946 e 1949 foi preso quatro vezes
pela polícia política. Foi na prisão, em 1949, que se casou com Maria de Jesus
Barroso.
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Mário Soares e Maria Barroso |
Impedido de ensinar, por lhe ter sido
negado o diploma do curso de Histórico-Filosóficas, iria fazer o curso de
Direito (1952-1957).
Como membro da Resistência Republicana,
passou a fazer parte do Diretório Democrato-Social (1956).
Começou a exercer advocacia em 1958 e
regressou à primeira linha da ação política. Nesse mesmo ano, empenhou-se na
candidatura do general Humberto Delgado.
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Campanha eleitoral do Gen. Humberto Delgado
(Mário Soares junto ao general) |
Em 1959, esteve nos preparativos de uma
revolta que não resultou (“Revolta da Sé”) e assinou o documento que pedia o
afastamento do chefe do Governo, Oliveira Salazar, da vida política.
«Ficaram célebres algumas das suas
intervenções como advogado defensor dos presos políticos em dezenas de
julgamentos, realizados em condições dramáticas, no Tribunal Plenário de
Boa-Hora e no Tribunal Militar Especial de Santa Clara».
Depois de ter sido preso mais duas vezes
(1960 e 1961), fundou, em 1964, a Associação Socialista Portuguesa (ASP), na
cidade de Genebra (Suíça).
Preso mais três vezes (1965, 1967 e 1968),
foi deportado para a ilha de S. Tomé, por tempo indeterminado. Mas, em 1968,
Salazar foi afastado do Governo, por motivos de saúde, tendo Mário Soares sido
autorizado a regressar a Portugal pelo novo chefe do Governo, Prof. Marcelo
Caetano.
Em 1969, concorreu às eleições para a
Assembleia Nacional pela CEUD (Comissão Eleitoral de Unidade Democrática), mas
o partido que apoiava o Governo, a União Nacional, “como de costume”, elegeu
todos os deputados.
Viajando por vários países, denunciou a
falta de respeito que existia em Portugal relativamente aos Direitos Humanos e
à guerra que era travada nas colónias africanas. Arriscando nova
prisão, exilou-se em Paris.
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Grupo fundador do Partido Socialista (PS) |
Em 1973 transformou a ASP num partido
político – o Partido Socialista (PS) – fundado nos arredores de Bona
(Alemanha), a 19 de abril de 1973. Mário Soares foi o seu primeiro
secretário-geral, cargo que desempenhou até ser eleito Presidente da República,
em 1986.
Estava na cidade de Bona quando se deu o
golpe militar de 25 de abril de 1974.
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Regresso de Mário Soares a Portugal, em 1974 - o Comboio da Liberdade |
Regressou a Portugal de comboio com outros
dirigentes socialistas que estavam exilados – o “comboio da liberdade” –
chegando a Lisboa no dia 28 de abril.
«A revolução dá os seus primeiros passos.
O 1.º de maio fica a constituir o dia em que simbolicamente se inicia o longo e
complexo percurso em direção a uma democracia pluralista e representativa,
abrindo caminho para a constituição de um verdadeiro Estado de direito.»
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Mário Soares e Maria Barroso no 1.º de maio de 1974 |
Foi ministro dos Negócios Estrangeiros nos
três primeiros governos provisórios (maio de 1974 a março de 1975). Foi nessa
qualidade que negoceou os processos de independência dos territórios coloniais,
processo muito complexo e polémico. Discursou na Assembleia Geral da ONU, em
setembro de 1974, e
«Pela primeira vez, desde a admissão de Portugal na ONU, um
representante do Estado português é aplaudido sem reservas por toda a
assembleia.»
Em 1975,
«critica asperamente o sentido
que estava a tomar a revolução portuguesa. (…) 1976 é o ano do virar de mais
uma página na história portuguesa. É sobretudo o ano do início e consagração de
um novo percurso: o da normalização democrática.»
Foi eleito deputado em várias eleições. Foi Primeiro-Ministro em três governos
(I Governo Constitucional - 1976-1978, II Governo Constitucional - 1978 e IX Governo Constitucional - 1983-1985),
mas nenhum deles chegou ao fim do mandato, numa época em que as crises
políticas eram frequentes.
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Cerimónia da integração de Portugal na CEE |
Enquanto chefe de Governo, em 1977,
solicitou formalmente a integração de Portugal na Comunidade Económica Europeia
(CEE), a atual Comunidade Europeia, e, em 1985, assinou o Tratado de Adesão de
Portugal à CEE.
Depois de sair do Governo, ainda em 1985,
anunciou a sua candidatura à Presidência da República. «Em 16 de fevereiro de
1986 é eleito “presidente de todos os portugueses”, tornando-se o primeiro
civil a ocupar a Presidência da República, seis décadas após a queda da I
República.» Foi reeleito Presidente em 1991, concluindo o mandato em 1996.
As suas opiniões e a sua atuação “marcaram
o ritmo da vida política portuguesa”.
«Como um pêndulo, regressa sempre às
convicções originárias: respeito e defesa da Democracia, à consolidação da
Liberdade e dos Direitos Humanos, desenvolvimento do país e reforço do
prestígio de Portugal na ordem internacional. (…) Mário Soares foi ator
principal da construção da democracia, fica na história portuguesa desta
segunda metade do século XX como alguém cuja atuação foi decisiva para
recolocar o país nos caminhos de uma sociedade aberta e plural, conscientemente
integrada no projeto europeu.»
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Mário Soares pintado por Júlio Pomar |
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Selos evocativos de Mário Soares |