Hoje, não só se celebram os 51 anos do 25 de Abril de 1974 como, e principalmente, os 50 anos das eleições para a Assembleia Constituinte, a primeira experiência de sufrágio livre, direto e universal na história de Portugal.
As eleições de 25 de Abril de 1975 têm grande importância e
significado político.
A eleição da Assembleia Constituinte, responsável pela
elaboração da lei fundamental, marca o início da institucionalização da
democracia a que o 25 de Abril de 1974 abriu a porta. É um elemento basilar na
ordem democrática portuguesa, num momento em que ainda se definia o caminho
para a democracia ou (estava implícito) o seu próprio modelo: a via eleitoral
(democracia liberal) ou a via revolucionária (com mais do que uma linha). Era
comum nos discursos políticos da época a afirmação de “uma via portuguesa para
o socialismo”.
Os resultados das eleições foram clarificadores quanto à via
preferida, com a prevalência da legitimidade eleitoral sobre a legitimidade
revolucionária. Mas o percurso foi sinuoso, o que é natural nos processos
revolucionários como aquele que estava em curso no país.
A consolidação do regime democrático liberal acontecerá com
o 25 de Novembro, a aprovação da Constituição - mesmo que almejando “uma
sociedade sem classes” e “assegurar a transição para o socialismo” - e a
realização das eleições subsequentes: legislativas, presidenciais, regionais e
autárquicas (entre abril e dezembro de 1976). Só faltava a integração europeia…
Segundo a lei n.º 3/74, de 14 de maio, a eleição dos deputados para a Assembleia Constituinte deveria realizar-se até ao dia 31 de março de 1975. O Presidente da República, General Costa Gomes, em 11 de fevereiro, chegou a anunciá-las para 12 de abril, mas o Conselho da Revolução, órgão criado na sequência da intentona de 11 de março de 1975, decidiu adiá-las para a data em que se celebrava o primeiro aniversário do 25 de Abril de 1974.
As tentativas de manipulação do calendário eleitoral (logo desde julho de 74, pelo Chefe de Governo do I Governo Provisório, Adelino da Palma Carlos) ou o próprio questionamento da oportunidade da realização das eleições, para além da questão da participação/intromissão dos militares na elaboração da Constituição e do pacto MFA-Partidos, davam uma tese. Ainda havia quem defendesse o adiamento das eleições, porque o povo português, depois de 48 anos de ditadura, não teria maturidade política para escolher.
De acordo com a referida lei n.º 3/74 , o I Governo Provisório nomeou uma comissão, a qual, presidida pelo coronel Costa Braz, definiu todo o processo, desde a elaboração do projeto de lei eleitoral ao recenseamento e à preparação e implementação de toda a logística das eleições.
Os cadernos eleitorais do anterior regime contavam pouco mais de um milhão de eleitores, sendo necessário atualizá-los, procedendo-se a um recenseamento com que se passou para mais de 6 milhões de eleitores.
A nova lei eleitoral e a lei dos partidos políticos
afirmavam o sufrágio livre, universal e direto para os cidadãos portugueses
maiores de 18 anos, a plena liberdade de candidaturas e a centralidade dos
partidos no processo de representação política.
«A lei eleitoral era composta por três decretos de lei
(DL 621-A/74, 621-B/74 e 621-C/74), num total de 32
páginas. O primeiro estabelecia quem podia votar e quem podia ser eleito e as
normas do recenseamento. Além de conceder o voto aos emigrantes e às mulheres,
a lei pôs fim às restrições impostas pelos níveis de instrução e de rendimento.
O segundo decreto de lei, contrariamente, estabelecia quem perdia o direito de
votar e de se candidatar, através da implementação de um conjunto de
incapacidades cívicas que excluíam do ato eleitoral um conjunto alargado de
indivíduos que desempenharam funções durante a ditadura. O terceiro estipulou
as regras do sistema eleitoral, toda a organização do processo eleitoral, a
criação da Comissão Nacional de Eleições (CNE) e as normas para a campanha. O
sistema eleitoral merece especial destaque pela sua incrível estabilidade. Foi
pensado em contexto revolucionário para enquadrar a eleição da Assembleia
Constituinte, mas é, no essencial, o mesmo que temos hoje: representação
proporcional (com a conversão de votos em mandatos de acordo com o método de
Hondt), correspondência dos círculos eleitorais aos distritos administrativos
(à data 25 círculos, hoje 22) e sistema de listas fechadas.»
A Imprensa Nacional / Casa da Moeda não tinha capacidade
para editar todos os materiais necessários, pelo que foram contratadas várias
empresas. A Suécia fez doação de papel para imprimir os boletins de voto.
A campanha eleitoral começou a 2 de abril e conheceu uma grande mobilização e atividade dos partidos políticos.
A multiplicidade de partidos criados após o 25 de Abril de
1974 foi grande. Eram poucos os partidos e organizações políticas que tinham
vivido (ou sobrevivido) na clandestinidade. Mas em finais de 1974 já existiam
cerca de 25 partidos, embora nem todos cumprissem os requisitos legais para
concorrer. Em fevereiro de 1975 estavam legalizados 16 partidos.
Foram admitidos às eleições 12 partidos, para além de 2
movimentos que, em Macau, concorriam à eleição de 1 deputado.
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Capa da revista espanhola Triunfo, de 25 de Abril de 1975 |
A mobilização eleitoral era mais direta entre os partidos e os cidadãos, com menos mediação, portanto, da comunicação social. Redes sociais… não existiam. Comícios, sessões de esclarecimento e manifestações foram os principais meios de campanha, na tentativa de mobilizar eleitores. O número de comícios realizados foi extraordinário: terá sido superior à média de 100 comícios por dia, espalhados por todo o território.
Os meios de comunicação social tiveram um papel fundamental
no esclarecimento de todo o processo eleitoral, incluindo a tarefa pedagógica
de explicar como se exercia o direito de voto.
Sem as tecnologias de hoje, os primeiros resultados apenas foram conhecidos horas depois de encerradas as urnas. Só de madrugada se chegou a um apuramento significativo. É outra história…
«Utilizaram-se computadores gigantescos, uns IBM enormes, que foram operados por elementos das Forças Armadas. O Secretariado Técnico de Costa Braz e as Forças Armadas garantiram esse escrutínio eleitoral. É verdade que foi preciso esperar vários dias para ter o resultado final. Mas, logo a partir dessa noite, começou-se a ter um sinal claro de qual seria o resultado dessas eleições. A sessão eleitoral na RTP é uma peça documental fantástica.» (M.ª Inácia Rezola)
«Apenas os funcionários dos ministérios da Comunicação Social e da Administração Interna tinham acesso ao Centro de Escrutínio. Todo o sistema de segurança foi assegurado pelo Comando Militar.»
Votaram 91,66% dos eleitores recenseados – valor nunca ultrapassado em qualquer outra eleição democrática em Portugal. O Partido Socialista venceu, portanto, com uma maioria relativa.
Os deputados da Assembleia Constituinte representaram uma nova elite política, mais nova e com grande preponderância de democratas com um passado de luta anti-ditadura.
A Assembleia Constituinte, que tinha um mandato único de um
ano, entrou em funções em 2 de junho de 1975 e foi
dissolvida em 2 de abril de 1976, data de conclusão dos
trabalhos de elaboração da Constituição. Nenhum governo foi baseado no seu
apoio. O país continuou, até 8 de agosto de 1975, com o IV Governo Provisório formado
por militares e civis (com elementos do PS, PSD, PCP, MDP-CDE e independentes).
Aproximava-se o “Verão Quente”…
Informação disponível sobre as eleições para a Assembleia Constituinte, no site da Comissão Nacional de Eleições
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