«Quarenta confederados, não muitos para tão difícil empresa, mas assim o exigia o segredo. Cada um de nós tinha às suas ordens um punhado de parentes e amigos leais para levar a bom porto a tarefa que lhe fora destinada, porque se alguém falhasse poderia comprometer toda a missão. Reuníamo-nos, pela calada da noite e no maior segredo, nunca na mesma casa, que mantínhamos às escuras, usando apenas uma sala ou quarto interior; na rua tomávamos as maiores precauções para não levantar suspeitas, indo cada um por sua vez e embuçados, para não sermos reconhecidos. E sempre em pequeno número, para minorar o desastre se fôssemos descobertos, transmitindo em seguida as informações ou ordens aos nossos aliados e restantes conjurados.
O ponto de encontro para o derradeiro lance foi o Terreiro do Paço e a hora aprazada as nove da manhã de Sábado, dia primeiro de Dezembro. O palácio, onde se alojava a Vice-Rainha e Vasconcelos tinha o seu ofício, estava protegido por uma força de alabardeiros alemães e pela guarnição castelhana do forte. Era a cabeça da hidra que precisava de ser decepada, logo de início, conquanto a surpresa jogasse a nosso favor.
Esperava-nos a morte, se fôssemos mal sucedidos, e para ela nos preparámos, na véspera, uns fazendo o seu testamento, todos confessando-se e comungado com os padres, nossos companheiros.
(...)
Fomos chegando ao Terreiro do Paço, sós ou em pequenos grupos, a pé, a cavalo ou em coches, dispondo-nos em bandos pela praça, em lugares estratégicos, desde o Arco dos Pregos ao do Ouro, de modo a acorrer prestes ao chamado.
«Decididos a arriscar a vida pela mais nobre das empresas, sabíamos o que estava em jogo e como a responsabilidade de muitas vidas pesava nos nossos ombros, por isso o sentimento era de apreensão e temor.
(...) quando o relógio deu a primeira badalada das nove e João Pinto Ribeiro bradou: Ide então ali, à sala dos tudescos, a tirar um Rei e pôr outro, para logo nos tornarmos para casa!
Todos vós, mesmo os que não estivestes presentes, sabeis o que então se passou. Saltámos dos cavalos e coches e corremos para o Paço, onde alguns dos nossos já tinham entrado na sala da guarda real (como se fazia, de ordinário, enquanto se esperava para ser recebido por Vasconcelos) e, em ouvindo o sino, dominaram os archeiros e os guardas tudescos, após uma breve mas renhida luta. Houve poucos feridos de parte a parte e apenas um morto, o corregedor Francisco Albergaria, que levou dois tiros por ter gritado Viva El-Rei Dom Filipe, em resposta a Dom Miguel de Almeida, que bradava, de espada em punho e com uma força de espantar num ancião de oitenta anos, "Liberdade, liberdade! Viva El-Rei Dom João o IV!".
A multidão ia engrossando na praça: aprendizes, oficiais e mestres de desvairados ofícios, atraídos pelo alvoroço ou convocados pelos Vinte e Quatro dos Mesteres e também pelo Juiz do Povo, gente que o padre Nicolau da Maia trouxera para a nossa causa. Dom Miguel apareceu na varanda e repetiu o grito: Valorosos Lusitanos, viva El-Rei Dom João, o quarto de Portugal, até agora duque de Bragança. Viva! Morram os traidores, que nos arrebataram a liberdade!
E o Terreiro do Paço estremeceu com o estrondo dos grandes vivas dados em resposta.
Deana Barroqueiro, 1640
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