Em 1972, Portugal continuava mergulhado numa guerra em 3 frentes –
Angola, Guiné e Moçambique – pela manutenção do Império Colonial.
A data de 1 de janeiro de cada ano fora escolhida pelo Papa Paulo VI
como dia dedicado à Paz. Paulo VI consignara como lema das celebrações desse
ano “A Paz é possível, a Paz é obrigatória”.
O padre que celebrara a missa deixou à consciência de cada um dos presentes a posição a tomar.
Informado posteriormente, o padre responsável pela capela (padre
Alberto Neto), que não fora o celebrante por motivos de saúde, não se opôs à
iniciativa.
Nas missas de domingo de manhã, os padres oficiantes leram um texto
redigido em conjunto com o padre Alberto Neto, onde afirmavam “Seja qual for a
nossa posição diante deste gesto, ele tem um sentido interpelativo de tal
densidade que não o podemos ignorar.”
No grupo de católicos organizador havia algumas pessoas com ligações às Brigadas Revolucionárias (PRP-BR) e que informaram este grupo político da preparação da vigília. As BR ajudaram à sua divulgação: organizaram a distribuição de panfletos a anunciar a vigília, convocando quem quisesse aparecer. Em Lisboa, petardos espalharam panfletos! A informação seria depois transmitida pela Rádio Voz da Liberdade, em Argel.
O apelo à participação de mais pessoas (católicas ou não) também foi
feita à porta de várias Igrejas. “Ainda hoje me espanta como conseguimos, sem
telemóveis, avisar tanta gente”. (Jorge Wemans, à data estudante universitário).
No domingo, os participantes aprovaram uma moção onde se repudiava a
política do Governo de “prosseguir uma guerra criminosa com a qual tenta
aniquilar movimentos de libertação das colónias” e denunciava a “cumplicidade
da hierarquia da Igreja Católica face a esta guerra”.
Pouco antes das 21 horas do dia 31, a vigília seria interrompida pelas forças policiais, incluindo agentes da PIDE-DGS, que invadiram a capela, antecipando o fim previsto para o dia seguinte. Os cerca de 90 presentes foram levados pelas autoridades à esquadra local para identificação, tendo 14 deles sido conduzidos a Caxias, onde ficaram incomunicáveis na prisão por vários dias.
Os 12 funcionários públicos presentes na vigília viriam de ser alvo de
processos disciplinares e demitidos, conforme decisão do Conselho de Ministros
(9 de janeiro de 1973).
O Padre Alberto Neto foi destituído do seu cargo e os dois padres que foram celebrar missa na capela no dia 1 chegaram a ser levados para a sede da PIDE-DGS, pois tinha sido ordenado o encerramento do espaço, e só saíram por intervenção direta do Cardeal-Patriarca, D. Manuel Ribeiro.
As detenções feitas pelas forças de segurança Desenho de Sofia Cavaleiro (app.parlamento) |
A vigília da Capela do Rato é considerada “um dos momentos mais emblemáticos – porventura, o mais emblemático – da oposição de matriz católica ao Estado Novo e, em particular, ao marcelismo. Tal significa que foi alcançado plenamente o principal objetivo dos promotores da vigília: garantir que o seu gesto tivesse grande visibilidade e impacto, para o que muito contribuíram dois fatores – a colaboração de uma organização de luta armadas, as Brigadas Revolucionárias, e a reação das autoridades civis.” (António Araújo, A oposição católica no marcelismo: o caso da Capela do Rato)
O que poderia não passar de mais um “breve episódio da luta de uma
minoria de católicos de elite contra o regime autoritário” acabou por ter
repercussões que superaram o que os próprios organizadores previram.
As prisões e a posterior expulsão da Universidade do conceituado economista
português Pereira de Moura provocaram uma onda de protesto internacional. Rui
Patrício, Ministro dos Negócios Estrangeiros, terá chegado a pedir a libertação
imediata dos presos, para evitar mais uma campanha contra a ditadura, mas sem
sucesso.
O Chefe do Governo foi levado a intervir em público, através de uma
comunicação ao país pela rádio e pela televisão (15 de janeiro) . O assunto chegaria
também à Assembleia Nacional, que o debateu ao longo de várias sessões (entre
16 e 23 de janeiro). A intervenção do deputado João Pedro Miller Guerra,
defendendo que a legitimidade da presença de Portugal no Ultramar podia ser
discutida em qualquer parte, foi impedida, pela Comissão de Exame Prémio
(censura), de ser divulgada. Na sequência desse debate, dois deputados da
chamada Ala Liberal – Francisco Sá Carneiro e o referido Miller Guerra –
renunciaram ao mandato.
A reação do regime virou-se contra o próprio regime.
Três anos antes, depois de uma missa celebrada pelo Cardeal Cerejeira, uma ação semelhante na igreja de S. Domingos, em Lisboa, passara quase despercebida. Para esta primeira iniciativa dos chamados “católicos progressistas”, Sophia de Mello Breyner Andresen compusera o poema “Vemos, ouvimos e lemos”.
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